quinta-feira, 19 de maio de 2011

AUTONOMIA DA ESCOLA

A consulta ao dicionário da língua portuguesa revela que autonomia apresenta a seguinte definição:
            Faculdade de se governar por si mesmo; direito ou faculdade de se reger (um país) por leis próprias, emancipação; independência, sistema ético segundo o qual as normas de conduta provêm da própria organização humana. (Holanda 1983, p. 136).
            O exercício da autonomia ocorre, portanto, em situação concreta na qual se dão relações do sujeito com os elementos naturais e culturais presentes no ambiente, havendo, inclusive, que se levar em conta a existência de outros sujeitos com atuações que podem visar objetivos competitivos, cooperativos ou neutros em relação ao sujeito considerado.
            Historicamente a noção de autonomia vem sendo aplicada a duas ordens de fenômenos a que poderíamos chamar de dimensão pessoal e dimensão grupal. Por aplicação da dimensão individual entendemos a qualificação da autonomia como atributo da pessoa, fruto da liberdade pessoal que se manifesta pela afirmação da pessoa ante o Estado ou qualquer outra instituição destinada a regular o convívio social.
            De um ponto de vista que poderíamos chamar de grupal, a autonomia vem sendo utilizada para denominar o esforço de grupos humanos no sentido de assumir o poder de gerir novas vidas.
            A autonomia é resultado de um percurso, de um movimento que implica esforço e exercício do poder; igualmente, não se mantém sem uma atuação ativa do sujeito.
A autonomia da escola pública tem sido defendida em nome dos diversos fatores, entre os quais podem ser destacados a melhoria do desempenho do sistema, em termos de racionalidade administrativa; a natureza entre diversidade cultural e escola única.
            Na procura de razões mais fundamentais para a autonomia da unidade escolar torna-se útil examinar o que diz Azanha:
            A tarefa educativa tem como pressuposto ético a autonomia de quem educa. Esta autonomia do educador tem na autonomia regimental da escola apenas uma das condições de seu exercício, e não pode ser com ela confundida. A autonomia do educador _ por paradoxal que possa parecer _ é, hoje, num momento histórico de busca democrática, um “comprometimento total” com o ideal democrático de educação.
            Nessas condições, quando se insiste na autonomia da escola como uma das condições de melhoria de ensino, não podemos reduzir essa melhoria a um ensino simplesmente mais eficiente no seu conteúdo estritamente escolar. Para isso, não seria preciso reivindicar uma escola capaz de ser uma “boa escola”. O fundamental é que a autonomia de nossas escolas públicas esteja impregnada de um ideal pedagógico que constitua a base de uma tarefa educativa, cuja excelência há de ser medida pela capacidade de instalar uma convivência democrática, e, por isso mesmo, de formar homens críticos, livres e criativos até mesmo a partir de condições sociais, políticas e econômicas adversas. Por isso, é preciso não perder de vista que a busca da autonomia da escola não se alcança com a mera definição de uma nova ordenação administrativa, mas, essencialmente, pela explicitação de um ideal de educação que permita uma nova e democrática ordenação pedagógica das relações escolares (Azanha 1993, pp.42-43).
            Uma estrutura favorável à autonomia da escola pode ser uma condição facilitadora, todavia não pode gerar, de “per si”, a autonomia da unidade escolar. O que cria e mantém uma instituição autônoma é o sujeito que a institui e garante sua existência.
            A um movimento nacional pela autonomia da escola deve corresponder a existência de um sujeito concreto criador e mantenedor da autonomia da unidade escolar, para que não se caia no erro de doar-se ou impor-se uma escola autônoma a pessoas que não a querem ou não a correspondem.

As interfaces da autonomia

            A autonomia da escola é um tema cuja importância mostra-se crescente, refletindo uma tendência mundial encontrada na dinâmica das modernas organizações públicas ou privadas. Sua aceitação implica uma ruptura no modo tradicional de compreender e atuar na realidade. A autonomia impõe um novo padrão de política, planejamento e gestão educacionais, tanto do ponto de vista da escola como dos sistemas de ensino.
            A autonomia, como a liberdade, é um valor inerente ao ser humano: o homem não nasceu para ser escravo ou tutelado, mas para ser livre, autônomo. Como ser social que é, no entanto, sua liberdade e sua autonomia passam a ter relação com a liberdade e autonomia dos outros seres humanos, também livres e também autônomos. A autonomia não é um valor absoluto, fechado em si mesmo, mas um valor que se define numa relação de interação social.
            Entende-se por autonomia da escola “a capacidade de elaboração e realização de um projeto educativo próprio em benefício dos alunos e com a participação de todos os intervenientes no processo educativo”.
            A autonomia da escola é, pois um exercício de democratização de um espaço público: é delegar Ao diretor e aos demais agentes pedagógicos a possibilidade de dar respostas ao cidadão a quem servem, em vez de encaminhá-lo para órgãos centrais distantes onde ele não é conhecido e, muitas vezes, sequer atendido.
            O objetivo da autonomia é a busca da qualidade com equidade enquanto meta e o fortalecimento da escola enquanto meio.
            A autonomia coloca na escola a responsabilidade de prestar contas do que faz ou deixa de fazer sem repassar para outro setor essa tarefa e, ao aproximar escola e famílias, é capaz de permitir uma participação realmente efetiva da comunidade, o que a caracteriza como uma categoria eminentemente democrática.
            A autonomia da escola não deixa de ser autonomia por considerar a existência e a importância das diretrizes básicas de um sistema nacional de educação.
            Assim como a liberdade não deixa de ser liberdade pelas relações interpessoais e sociais que a limitam, a autonomia da escola não deixa de ser autonomia por considerar a existência e a importância das diretrizes básicas de um sistema nacional de educação. A autonomia da escola justifica-se no respeito à diversidade e à riqueza culturais brasileiras, na superação das marcantes desigualdades locais e regionais e na abertura à participação.
            A autonomia dos estabelecimentos de ensino requer como condição indispensável o maior grau de decisão possível sobre dois dos principais insumos necessários à sua organização: dinheiro e pessoal.
            A autonomia tem uma dimensão operacional, ligada à entidade da escola, que pode garantir maior racionalidade interna e externa e, portanto, melhoria da qualidade dos serviços prestados. As racionalidades interna e externa são necessariamente interdependentes. Em outras palavras, se internamente não houver organização, será muito difícil chegar aos objetivos esperados.
            A autonomia, democratizando internamente a escola pública, valoriza o trabalho dos profissionais, realça sua competência técnica e cria condições mais favoráveis ao exercício de seu compromisso social, que é educar.
            A autonomia valoriza os agentes pedagógicos que atuam nas escolas e cobra-lhes, diretamente, o compromisso ético-profissional de servir ao público em matéria de educação.
            A autonomia é a possibilidade e a capacidade da escola elaborar e implementar um projeto político-pedagógico que seja relevante à comunidade e à sociedade a que serve.
            A autonomia não é mera descentralização administrativa, mas uma forma de delegação que se liga à temática da liberdade, da democracia e do pluralismo.
            Com a autonomia, uma escola poderá ter uma estrutura completamente diferenciada de outras, flexibilidade de contratação e alocação de pessoal, uma base financeira que lhe dê condições de agir independentemente e, principalmente, poderá definir seu projeto político-pedagógico.
            A autonomia é outorga e conquista. Não basta outorgar autonomia e investir em infra-estrutura; é preciso que os atos institucionais sejam capazes de exercê-la. A capacidade traduz-se não só em habilitação, como também em habilidades para buscar elaborar e processar informações, desenvolver argumentos, analisar criticamente, negociar, liderar, incentivar a inovação, viabilizar experiências, estar em sintonia com os avanços tecnológicos e as modernas técnicas de gestão. A capacidade refere-se às pessoas responsáveis pela escola: diretor, coordenador/supervisor pedagógico, professor e corpo técnico-administrativo. A defesa da autonomia para a escola coloca em relevo as velhas questões que envolvem recursos humanos dedicados à educação, como urgente reformulação dos cursos de profissionais, melhoria das condições de trabalho, plano de carreira, salários dignos, educação permanente, discussão ética profissional do educador.
            Se a autonomia for outorgada às escolas de maneira tal que elas fiquem abandonadas à própria sorte, a autonomia pode ser antidemocrática e fator de aumento de desigualdades. Essa afirmação coloca em evidência a responsabilidade dos sistemas, ou seja, conceder autonomia não significa livrar-se dos problemas das escolas ou abandoná-las à própria sorte, mas adotar um novo padrão de gestão e relacionamento.
            A autonomia significa que a escola assume uma nova gama de responsabilidades. Assume a responsabilidade de resolver os seus problemas. Para tanto, ela passa a contar com a autonomia administrativa, financeira, pedagógica e jurídica.
            A implantação apressada de novas políticas educacionais, pelo reduzido tempo com que contam os sistemas de ensino para assimilar e colocar em ação mudanças profundas.
            Embora a realidade da escola pública seja ainda bastante complexa, parece possível que a autonomia venha a emergir do interior das próprias escolas por um projeto político-pedagógico assumido por todos, o qual assegure autenticidade a novas propostas.
            As interrogações e dúvidas na formulação de políticas que visam atribuir maior autonomia às escolas evidenciam não só falta de segurança técnica, como incertezas políticas quanto à possibilidade de que a autonomia possa produzir efeitos indesejáveis ou até mesmo opostos aos estabelecidos como meta final, ou seja, um ensino de melhor qualidade, como equidade. Educadores e dirigentes, que conhecem a capacidade de reconcentração de poder nos aparatos públicos em todos os níveis, receiam que as instâncias locais e a própria escola, se forem mais autônomas, tornem-se também, centros de decisões inacessíveis, impermeáveis às necessidades  de aprendizagem de seu aluno e vulneráveis às interferências do autoritarismo e clientelismo político. Eles temem a fragmentação que poderia resultar de um processo sem controle de autonomização das escolas,  onde não estivessem assegurados capacidade de gestão e mecanismos de recuperação da visão de conjunto.
Sabemos que qualquer segmento empresarial, religioso ou social, a autonomia não se constitui e liberdade absoluta, pois a liberdade se dá em relação. Assim, a autonomia da escola é relativa, pois esta não existe independente do contexto. A escola não é uma instituição que se basta por si mesma, nem é um órgão tutelado pelas diretrizes que deve cumprir.
            O simples fato de estabelecer a legislação não assegura a autonomia. Segundo Castro Neves, “é preciso, simultaneamente, vontade e decisão política dos dirigentes maiores dos sistemas e competência dos agentes pedagógicos da escola em consolidá-la. Autonomia é, portanto, outorga e conquista”.
            Nesse sentido, para ser autônoma, a escola necessita, além da liberdade garantida em legislação, as condições de recursos humanos, materiais e financeiros, e principalmente a competência técnica e o compromisso profissional dos educadores, precisa para tanto conquistá-la.
            A conquista da autonomia se dá pela competência em duplo sentido: técnica e política. A dimensão política consiste no compromisso profissional dos educadores, na clara intenção de assumir a tarefa educativa da escola em sua função social básica: a de ensinar e ensinar bem a todos. À competência e ao compromisso profissional, acrescenta-se a coesão do grupo, pois quanto mais o grupo estiver empenhado em levar a termo objetivos comuns, isto é, identificado com as mesmas causas, mais condições terá de efetivar seu projeto político-pedagógico.
            O projeto político – pedagógico é o instrumento que orienta e possibilita operacionalizar a autonomia na escola. O projeto político – pedagógico e a autonomia são processos indissociáveis, como o é também a formação continuada, como elemento que promove a competência do grupo.
            Com a autonomia, as relações entre as diferentes  instâncias, aí incluindo a escola, devem ser marcadas pelos princípios de responsabilidade partilhada e subsidiaridade, tendo sempre por finalidade a educação de qualidade inquestionável. Reforçando o elo entre cidadão e escola como instituição pública e, portanto, prestadora de serviços, a transparência, o acesso à informação e a avaliação pela comunidade apresentam-se como direitos a serem assegurados aos usuários.
            O Brasil e a educação brasileira tentam começar um novo tempo, uma nova história na qual a autonomia é um dos símbolos de liberdade, de uma cidadania participativa e da verdadeira democracia.
            A autonomia escolar é a chave para garantir agilidade às escolas no atendimento de suas necessidades básicas e, de sobra, ainda permitir o exercício da cidadania através da participação direta da comunidade na gestão escolar. A comunidade tem que se envolver mais na escola para garantir a completa autonomia.
            Ainda não há respostas para as inúmeras e relevantes questões que se colocam diante das estratégias de descentralização e autonomia da escola. Há todavia, alguns consensos entre os quais poderíamos citar que a autonomia da escola não é descompromisso do governo com o ensino, nem da escola com seus alunos. São imprescindíveis diretrizes centrais básica comuns e também flexíveis sobre o que é essencial garantir para todos.
            A autonomia da escola não dispensa a atuação do Estado nem as instâncias centrais da administração, mas requer uma profunda revisão e fortalecimento de suas novas funções e papéis, visando-lhe dar poder de governabilidade.
            A autonomia da escola tem que se revelar não apenas uma estratégia eficaz para melhorar a qualidade e promover a equidade. Ela tem que se tornar vantajosa quanto a seus custos e benefícios políticos, em conjunturas político institucionais concretas, nelas incluída, com destaque, a negociação permanente dos interesses presentes.
            Destacamos que o respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor que  podemos ou não conceder uns aos outros. O professor, na sua prática pedagógica deve saber que o respeito à autonomia e à identidade do educando  exige dele uma prática em tudo coerente com este saber.
BIBLIOGRAFIA
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JORNAL DO BRASIL. Revista Educação. Pp. 30-31. 25/06/2000.

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